“Vai falar de novo que eu sou carente?”
Ele perguntou, enquanto eu o afastava de um abraço.
“Mas você é carente!” Respondi.
“Vai dizer que você não gosta de
abraços?” Ele insistiu em mais um.
“Agora não vale, você está se
aproveitando de mim porque tá frio!”
“Então você também é carente!”
“Não, eu sou fria!”
“Não, você se faz de fria!”
Quem ele achava que era pra conhecer
assim esse meu lado? Logo ele que me mal me conhecia. Mal sabia dos meus medos,
meus reais desejos, minha vontade de ficar o dia inteiro agarradinha com
qualquer um, menos ele. Porque era o último da minha infindável lista de
“rolinhos” que não davam em um. E eu nem sei porque eu fui. Talvez porque era
no meio do meu caminho de volta pra casa. Ou talvez eu tenha usado essa
desculpa de modo a justificar pra minha amiga o porquê de eu ter ido. Mas eu
ainda não sei.
Talvez eu tenha decidido,
inconscientemente, dar uma chance ao pobre coitado que tanto queria me
encontrar e só era tratado com patadas e mais patadas, sem motivo. Acho que era
implicância. Ainda não conseguia entender porque ele insistia tanto. Mesmo
depois daquela noite, naquela festa que eu fui encontrar outro e acabei
encontrando-o por acidente. E ele ficou a noite inteira tentando, tentando e
insistindo e eu que era sempre “não, não e não”.
E aquela outra noite que ele estava
quase vindo falar comigo e minha amiga rapidamente me tirou dali, antes que eu
o visse, antes que ele o conseguisse. E quando eu soube, exclamei “nossa,
obrigada!”.
Eu sentia pena. E culpa por sentir pena.
Mas como não sentir pena dele que era tão fofo, tão bobinho, tão bonzinho, tão
sem chances. Mas fiz direito o meu papel: fiquei a noite inteira conversando
com todos os amigos e o irmão que estavam à mesa, sem deixar de dar atenção pra
ele, prestando atenção em cada particularidade nova que ele me contava.
Particularidade que eu sempre arranco de cada um e que vai de um pequeno
carocinho na orelha direita à problemas na família e no trabalho, que no final
não me servem de nada.
E
como eu era má. E como eu era boa em ser má. E como eu estava ficando
preocupada de alguém me ver ali naquela mesa. Não sei, talvez um rolo antigo,
um caso novo ou até mesmo um possível affair. Não sei nem de onde veio aquele
súbito peso na consciência de ter um cineminha marcado com outro para o dia
seguinte. Mas “ninguém vai saber mesmo”.
E enfim eu permiti outro beijo. Aquele
beijo com gosto de cigarro, cerveja e outros tóxicos que poderia ser tão ou
mais duradouros e viciantes que os vícios comuns. Mas eu não posso, eu sou
fria. E logo volto a pensar em como sentia pena dele por achar que estava me
conquistando.
E deixei escapar um “você gosta de
japonês?” já me arrependendo de ter perguntado, no mesmo momento, torcendo que
ele não tenha escutado, mas ele já respondeu, todo contente: gosto, vamos
marcar?
Também não sei de onde veio aquela
vontade de fazer o que eu fiz depois: mandar uma mensagem, ao acaso, na mesma
madrugada, só pra avisar que eu cheguei bem, mesmo que ele não tenha pedido.
E eu sigo nessa minha eterna confusão,
nessa minha eterna contradição. Não sabendo se quero ou não, se sinto culpa,
pena ou vontade de continuar. Se sinto confiança ou medo e se posso ganhar no
meu próprio jogo ou perder numa reviravolta do destino.
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